quinta-feira, 15 de novembro de 2001

Tudo por seu toque - Baseado em Maçãs

Galera, esse texto é baseado num conto escrito por nossa amiga Beatriz Blandy, e estou colocando aqui, somente a primeira cena, só pra ver se está do gosto dela, já tô com a segunda cena quase toda escrita, e assim que tiver pronta, vou aprontar todas as outras e depois somar tudo e colocar na ponta de um filme, que espero que todos gostem de como vai ficar, pq se depender do roteiro, eu espero que gfostem pois eu estou gostando muito de como a história está se seguindo .

Tudo por seu toque

Cena 1 – Trânsito (Um pouco antes da esquina da Rebouças com a Avenida Brasil).

Márcia encontra-se no carro, parada um pouco antes do cruzamento da Rebouças com a Avenida Brasil. Seu rosto está inchado e, em plena segunda-feira, as olheiras roxas mostram uma noite mal-dormida, mesmo para alguém que tem o costume de dormir cedo. Buzinas de carros e ônibus enfileirados esperando por sua vez na eterna contra-mão do horário matutino de trabalho. Fumaça negra sobe dos escapamentos dos tanques de guerra do eterno leva e traz.O jornal ajuda no desespero.

(Márcia – nervosa e discutindo com o jornal semi-amassado em suas mãos) – Meu Deus, nem em plena segunda-feira há alguma notícia boa.

Alguns carros, a sua frente, puxam o freio de mão e desligam os motores. Nem mesmo o apito ensurdecedor do guarda-de-trânsito alivia a pressão daqueles glóbulos ensandecidos pelo horário de trabalho. Grande São Paulo está parada de novo, e nem mesmo suas artérias conseguem bombear mais nada.

(Márcia – com parte de sua cabeça do lado de fora, disputa atenção com as buzinas) Pelamordedeus, dá um jeito nisso aí, seu guarda!

O guarda não presta a atenção e continua a apitar.

Márcia xinga um palavrão, em voz baixa, contra a mãe do guarda. Na raiva, ela puxa o freio de mão, quase o arrancando, e desliga o carro, tirando a chave e colocando sob suas pernas. Ela puxa o jornal, abre na parte de economia e começa a devorá-lo. Suas mãos tremem pela adrenalina diária em seu sangue. Essas tremedeiras não param nem mesmo após o matutino banho.

Ao rádio, toca Zé Ramalho – Beira-mar.

Oi! Por dentro das águas e sonhos/ E coisas que sonham o mundo dos vivos/ Há peixes milagrosos, insetos nocivos/ Paisagens abertas, desertos medonhos/ Oi! Léguas cansativas, caminhos tristonhos/ Que fazem o homem se desenganar/ Há peixes que lutam para se salvar/ Daqueles que caçam no mar revoltoso/ E outros que devoram com gênio assombroso/ As vidas que caem na beira do mar/

Márcia joga o jornal no banco do carona, e sua impaciência faz suas pernas tremerem e todo o seu corpo não suporta a pressão e treme junto. Ela puxa a sua bolsa, de um marrom bem claro, que combina com a cor de seu salto alto, e tira o seu telefone celular.Ela verifica o sinal da operadora e caça na agenda eletrônica do próprio telefone, o telefone das secretárias de recado de sua empresa.

(Márcia – olhando para o relógio de pulso, no braço direito, fala com voracidade a uma das secretárias) Alô? Cleide! É você? Ótimo, fala pra seu Carlos que demorarei pra chegar pois estou parada aqui no centro, e não sei que horas que vou chegar. Obrigada, tchau.

Ela desliga o telefone e o coloca ao meio de suas pernas, junto com as chaves do carro. As chaves correm mais para perto de seu sexo, quase entrando por sua saia.
Ela aumenta um pouco o volume do rádio e recosta perto da janela de seu carro, apoiando a mão sob a cabeça e desliga-se do mundo, cochilando.

Num átimo de lembrança, seu sádico despertador chacoalha-se numa frenética tremedeira em cima do criado mudo, dançando abusadamente um folk desritmado como o mais bêbado dançarino de uma boate noturna. Seus passos desagradáveis sobre o móvel adormecido despertam Márcia de seu sono leve e sem cadência. O sangue da dormideira esquenta e o despertador troca de pista, pairando agora perto da cortina que bailava como uma amante do cadenciado ritmo de uma dança de amor junto ao vento. Márcia ruidosamente grita um Ah! e lembra-se que se encontra ao trânsito. Ela vê que nada tinha melhorado nestas pesadas horas de sono ao carro. Ela fita o relógio com a maquiagem borrada pelas lágrimas que choram o sono ainda inacabado, passara-se pelo menos dois minutos.

(Márcia, sonolenta) – puta merda...

Ela volta a cochilar.Segundos depois, passa por ela, tocando-lhe a cabeça, um menino negro de seus dez anos, ao máximo, assustando-a. Ela levanta de súbito pela pressão do toque e sente o seu sangue ferver, como uma palpitação nervosa, típica de quem se apaixona ou perde o controle de suas emoções. Márcia fica branca e trêmula das bocas. Corre à sua bolsa e pega uma bala de eucalipto, pondo-a rapidamente na boca, como se fosse o último remédio que a pudesse salvar. Ela olha pelo retrovisor e vê que um menino negro está correndo por entre o labirinto de carros. Ela não consegue ver o rosto da criança, mas o short velho e empoeirado já o classificava como meliante. Ela passa a mão pelo pescoço e não sente o cordão de ouro que fora dado por sua mãe...

(Márcia, assustada) – Mãe?!
... ela vira o retrovisor interno do carro em sua direção e vê que ali não se encontra o cordão que possuía a foto de sua mãe. Ela acabara de ser roubada.

(Márcia, chorando) – Ah! Não! Mãe!!

Sua maquiagem se desfaz, o trânsito liberta-se de seu entupimento.Ela, assustada e nervosa demais, não se lembra de onde pôs as chaves do carro. O primeiro movimento foi jogar o jornal para o banco traseiro de seu carro mil cilindradas, porém luxuoso, logo a bolsa aberta também passa para traz, como uma criança em contradição com as leis de trânsito, espalhando-se e seus pertences por todo o espaço livre. As buzinas atrás pressionam sua palpitação já acelerada demais para uma cotidiana estressada, ela arremessa o telefone celular para o banco do carona, livre dos ex-caronados e vê que sua chave estava entre suas pernas, como a ponta do engate virado para a sua calcinha. Ela a tira desesperada e estupra a ignição do carro, acelerando o veículo sem que ao menos terminasse o ignição dos pistões e das bielas de compressão. Ela acelera e o trânsito flui, como um dia atípico para aquela segunda-feira na Grande São Paulo. O peso de sua aceleração também, conseguindo arrancar com o carro.

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